línguas, linguagens, silêncios
(digo entre línguas e penso na Sylvia Molloy, claro: Si bien la suerte del que se va a vivir afuera no es tan precaria como la del intérprete ambos comparten la misma inestabilidad y el mismo riesgo de que, en algún plano, no se los entienda.
¿Cómo se escribe desde el lugar otro y qué ocurre con la escena de escritura cuando se la desplaza? ¿Cómo se tejen las sutiles relaciones entre autor, lengua, escritura y nación? ¿La extranjería de un texto comienza en la distancia geográfica, en el uso de otra lengua, o en el sesgo de la mirada crítica? Y, por último, ¿qué comunidad de lectores y qué contexto de lectura convoca el texto del escritor desterrado? "Desde lejos: la escritura a la intemperie". Cadernos del recienvenido, n.1, São Paulo: Humanitas, 1996).
era um texto sobre os silêncios - o de canberra, do qual sinto tanta saudade agora já de volta a essa são paulo de trânsito caótico e em pleno ciclo de destruição e construções; o meu, nas lacunas da fala que não acompanhava a velocidade do pensamento tradutor-intérprete-estrangeiro; e também o da incompreensão ou medo da má-compreensão, que torna todas as palavras e movimentos mais lentos. talvez também o silêncio do alívio - a quietude, a sozinhez, os passeios à beira do lago.
mas apesar da vontade, a postagem ficou juntando pó. porque desde que a minha irmã se foi, tenho a sensação de que comecei a entender muito melhor aquele poema da Nayyirah Waheed: "perdi todo um continente/ todo um continente/ da minha memória". há uma ausência inscrita na linguagem que tem sido difícil de ultrapassar, fundura abismal que é.
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esta semana tinha uma notícia nos portais sobre um oceano que está se instalando em África e que, em algum momento, vai dividir o continente, ao menos suas porções de terra. talvez porque o poema da Waheed se refira ao continente africano, fiquei habitada pela imagem de que o luto é essa infiltração às avessas, esse movimento fundo que vai deslocando todas as porções de terra com que a gente constituiu corpo, identidade, lugar, e vai reconfigurando toda a paisagem. até parir uma montanha. até dar luz a uma cordilheira. até fazer emergir um oceano.
ainda que a superfície pareça serena e imóvel, as entranhas se movendo, placas tectônicas entrando em choque, lava em plena ebulição, só juntando energia para irromper. o processo é lento, embora menos do que a pesquisadora inicialmente imaginara.
me olho no espelho para ver se também eu consigo sondar a velocidade das transformações ou as pequenas mudanças já instaladas - que montanhas, que vulcões em irrupção, que nascentes fazendo caminho até a pele? que partes do continente se perderam depois que ela se foi? que novas paisagens de mim a falta da minha irmã inaugura?
o luto como cartografia dos territórios perdidos e sondagem das paisagens por vir.
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e então, nos últimos dias de dezembro, a chão da feira publicou a tradução de uma fala de Ursula K. Le Guin, intitulada "nós somos vulcões".
nela, Le Guin distingue entre três línguas - apesar de todas serem o inglês: a língua paterna (língua do poder), a língua materna (essa das coisas miúdas e cotidianas, a das trocas) e uma terceira, não muito bem definida, ligada ao bem-viver, ao viver como arte. é uma reflexão bonita sobre a língua que ganhamos e a que perdemos ao ingressar na universidade e a importância de constantemente aprender e desaprender e reaprender a transitar por diferentes línguas - a viver entre línguas, efetivamente, uma vez que a língua paterna é alta o suficiente para silenciar muitos outros modos de enunciação.
penso em como "uma irmã" é alguém que experimentamos tanto na língua materna quanto na língua paterna - especialmente se a família estiver muito marcada por esta última. aprendi com Veena Das a reconhecer como certas linguagens podem se infiltrar no cotidiano, podem abrir espaço para a vida ou encerrá-lo. e as mulheres, como as larvas da scribbly gum, frequentemente nos vemos na posição de produzir a vida nos limiares, nas beiradas, por entre as frestas das línguas. penso no quanto a língua paterna roubou minha irmã de mim. penso nos momentos em que pudemos nos encontrar na língua materna.
penso na minha sobrinha e no que diz a Ursula K. Le Guin: Eu sei que muitos homens e até mesmo algumas mulheres sentem medo e raiva quando as mulheres falam, porque nesta sociedade bárbara, quando mulheres falam verdadeiramente elas falam de forma subversiva - elas não podem evitar: se você está por baixo, se você é mantida embaixo, quando você rompe, você subverte. Nós somos vulcões. Quando nós, mulheres, oferecemos nossa experiência como nossa verdade, como verdade humana, todos os mapas mudam. Há novas montanhas (2023, p.20-21).
e sinto que continuar experimentando "uma irmã" em língua materna, em uma terceira língua que cabe reivindicar, é levar adiante o desejo de "escutar vocês entrando em erupção" (p.21); é continuar a relação com ela a partir deste trabalho de escuta e atenção.
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