árvores, pássaros, amores
Engraçado que embora as paisagens sejam novas, elas evocam passados. A primeira vez que caminhei em torno desse lago para ir trabalhar na Biblioteca Nacional da Austrália estava nublado e eu tinha que seguir as instruções do googlemaps e não sabia exatamente a distância ou o tempo, se estava perto ou longe. Mesmo assim, quando passei por essa árvore, parei para fotografar e mandar pra amiga. É que essas raízes entre o céu e o mar me instalaram em outros espaços, em tempos de encontro, e a saudade ficou mais apertada.
Mas também me dei conta de que desde que chegamos - e primeiro ficamos em um lugar mais distante do centro, cortado por um labirinto (pra gente, ao menos no início!) de bushlands - tenho pensado nas raízes aéreas. É verão, mas algumas árvores sabem a outono: já perderam folhas, já mudaram de cor, já parecem apenas contornos contra o céu azul. Aqui é seco, bem seco. Galhos e raízes se misturam nos gestos de buscar o ar. De modo que a sensação de outono pode ser só a expectativa da exuberância verde pós-chuvas e sol de quem cresceu na Mata Atlântica, em meio à Serra da Mantiqueira. #etnocêntrica
Lembro desse texto, que escrevi para uma amiga que se mudava (a mesma que recebeu as fotos da árvore):
que não sou árvore para deitar raiz. ela me diz. e eu, minhas raízes aéreas, entendo. escuto o desejo de outrar-se em novas terras, novos ares, nova água. de transplantar-se pra saber o que fica o mesmo e o que muda. e o que muda é a parte em nós que se deixa carregar - o acaso, o destino, a vontade. as raízes em suspenso, encolhidas como as pernas no avião, esperando novo porto pra espreguiçar amplo. esse jeito de não pensar, pensando, que ir é diferente de chegar. porque se a gente chega, é sempre em algum espaço dentro de nós mesmos, quando a pele cabe macia, recobre de conforto a fragilidade do que então, a cada vez, somos. era esse o trecho que eu tateava quando cheguei às margens de um rio: "os livros que a gente lê são uma espécie de raiz. outra espécie é das pessoas que a gente conhece e que vão arando a gente, plantam e quando você percebe já floresceu ficou podre caiu virou adubo. meu objetivo de vida é virar adubo, te digo"*. ela não é árvore pra deitar raiz. mas o silêncio fértil, a terra úmida, o novo que inaugurou em mim afirmando o contrário.
Arar, plantar, deixar-se virar adubo; deixar-se arar, plantar e adubar pelo outro. É amor que chama, não é?
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