sulcos, funduras, cicatrizes
uma das primeiras imagens que tenho do luto não se parece em nada com as cenas de filme ou novela. não penso lágrimas abundantes, choro desesperado ou um corpo que grita a perda. a imagem que tenho é a de um homem grisalho que, em face da perda da amiga amada, move-se aos trancos enquanto caminha pela nave da igreja onde o velório acontece. um caminhar tornado lento, dependente do apoio dos bancos. uma queda controlada. não a explosão de tristeza ou fúria, mas o corpo que se contém - tenso, reunindo todas as forças para manter sob controle a tempestade que vai por dentro. o mundo em desbalanço depois da partida de alguém que habitava um espaço tão central que, em sua ausência, até a gravidade se altera. *** como tantas outras, as notas iniciais deste texto estão em uma folha já toda amassada, há dois anos rodando entre outros papéis, tendo atravessado dois oceanos para chegar até o presente. são anteriores à morte de minha irmã, o que as tornam mais difíceis de retomar - coincidência? ...